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Em sessão lotada, ‘Marighella’ é exibido após bate-papo sobre o filme

A exibição trouxe à tona o debate sobre a situação política do país; Maria Marighella, neta do dirigente comunista, esteve em Penedo para discutir sobre o longa-metragem

A poucos dias dos 110 anos de Carlos Marighella, na noite desta sexta-feira (26), o público lotou a sala de exibições montada às margens do Rio São Francisco para assistir ao tão comentado filme dirigido por Wagner Moura que retrata a vida do dirigente comunista. Neta de Marighella e parte do elenco do longa-metragem, Maria Marighella esteve em Penedo para debater a relevância histórica de seu avô e a pertinência da obra (censurada no Brasil durante os dois últimos anos) para a atualidade, num dos cenários políticos mais ameaçadores da história do país.

Da esquerda para a direita, Maria Marighella, Ninho Moraes, mediador do debate, e Chico de Assis, apresentador da cerimônia / FOTO: Kamylla Rafael

Para Maria Marighella, que atualmente ocupa uma das cadeiras da Câmara Municipal de Salvador, o longa é uma “reivindicação de futuro”. “O filme nos mobiliza à ação”, afirma, “ensinando que não se negocia com a barbárie, mas que a barbárie se combate!”. Isso fica claro desde as primeiras cenas da obra, que ilustram o momento pós-golpe, em 1964, quando Marighella, após ter antevisto a tomada de poder pelos militares, abandona a inércia do Partido Comunista do Brasil (o PCB) para formar um dos principais grupos de luta armada do país. 

Em comparação ao golpe de estado de 2016, cujos efeitos catastróficos ainda são latentes para os brasileiros, a neta do guerrilheiro que se inspirou nas revoluções russa, cubana e vietnamita admite que faltou “reflexão, organização e ação” a boa parte da esquerda. Segundo ela, o impeachment de Dilma Rousseff significou “o avanço das forças mais violentas contra a democracia” no Brasil. Provavelmente, a vereadora se refere à ascensão do fascismo, força política tão bem representada no filme. 

Um dos trunfos do longa é justamente mostrar o funcionamento real de um regime desse tipo, para o qual caminha o Brasil de hoje. Em “Marighella”, fica claro que a tortura, o estupro, o assassinato, a censura e a perseguição moral não são tratamentos exclusivos para as figuras que subvertem esse poder, mas se constituem quase como um esporte para aqueles que formam o aparelho repressivo do estado. Por isso mesmo, o drama é recurso presente durante boa parte do filme, bem como os princípios de liberdade e coragem necessários para superá-lo.

Em algumas entrevistas, o diretor estreante Wagner Moura chegou a declarar que ele e os demais produtores foram ameaçados ainda durante as filmagens. Com o desmonte da Ancine (Agência Nacional do Cinema) através do governo Bolsonaro, o filme foi perseguido e engolido pela burocracia estatal, o que adiou por dois anos o seu lançamento no Brasil. Em função disso, a base de apoio da extrema-direita iniciou inúmeros ataques à obra, chegando ao ponto de contestar o fato de Marighella ser apresentado exatamente como era: um homem negro.

Sobre a censura sofrida pelo longa-metragem, Maria Marighella opina. “É muito difícil, no Brasil de 2021, fazer o encontro de Marighella com os banqueiros, que são os mesmos que patrocinam os filmes.” Para ela, esse é o retrato de um governo “perseguidor” que atua como “polícia política”. “Que país é esse onde a política não orienta o banco, mas é o banco que orienta a política?”, critica. “Em cada canto do capital tem uma mão suja de sangue. Por isso, devemos radicalmente conectar o espírito revolucionário nas agendas tradicionais de luta. Marighella precisa ecoar!”

11º Circuito Penedo discute cinema, educação e opressão sob a perspectiva freireana

As professoras Yanara Galvão e Edna Lopes discutiram o potencial educativo e político do cinema no Brasil

Na tarde desta quarta-feira (24), o 11º Circuito Penedo de Cinema reuniu a pesquisadora Yanara Galvão e a professora Edna Lopes para a mesa “Cinema, educação e os oprimidos: Paulo Freire e o cinema nacional”. Durante a conversa, as convidadas discutiram a utilização das produções audiovisuais como ferramenta educativa e política. Neste ano, o evento celebra o centenário de Freire, abordando o cinema e a educação como instrumentos para a liberdade.

Segundo Yanara Galvão, como há a predominância da cultura visual na contemporaneidade, surge uma responsabilidade cidadã em relação ao cinema. “Precisamos pensar o cinema enquanto arte chegando a todos os espaços de educação, seja ela formal ou não”, declarou. “O cinema é uma arma de poder, então, é preciso estimular uma população ativa no fazer cinematográfico”, ressaltou Yanara Galvão, que exibiu dois curtas-metragens durante a mesa cuja temática da opressão se fazia presente.

Para ela, discutir sobre a opressão e os oprimidos é oportuno neste momento político, em que, inclusive, como bem lembrou a pesquisadora, o patrono da educação brasileira tem sido tão perseguido e difamado. “Vivemos um estado de exceção no país. Nesse sentido, por estimular a formação crítica, Paulo Freire nunca foi tão urgente quanto em seu centenário”, comentou. 

Edna Lopes, integrante do Movimento Alagoano Paulo Freire, usou um exemplo pessoal para relacionar os princípios freireanos com o potencial transformador que o cinema reserva. “Aos 11 anos, lembro de ser impactada ao assistir ‘Vidas Secas’, vendo a opressão, a violência, a injustiça, a prisão. Foi quando tomei consciência a respeito desses temas centrais na nossa sociedade.” 

Para a professora, as provocações que o cinema é capaz de produzir dialogam com os requisitos para a educação libertária proposta por Freire. “Porém”, esclareceu, “isso não significa que só devamos ver filmes com objetivos didáticos”. Pelo contrário, Edna Lopes disse acreditar no contato com linguagens diversas, que, segundo ela, provocam reflexão e análise. “O cinema faz parte da formação política ao mesmo tempo em que constrói subjetividades”, afirmou.

Confira o debate na íntegra aqui.

Debate sobre a trajetória de Paulo Freire como um educador popular marca o segundo dia do 11º Circuito Penedo

O evento, que, neste ano, celebra o centenário do patrono da educação brasileira, reuniu o cineasta Cristiano Burlan e o professor Régis de Souza para um bate-papo sobre o pensamento freireano

Em seu segundo dia de programação, nesta terça-feira (23), o Circuito Penedo de Cinema realizou, on-line e presencialmente, a mesa “Paulo Freire: a trajetória de um educador popular”. A 11ª edição do evento, que celebra o centenário de Freire, abordando o cinema e a educação como instrumentos para a garantia da liberdade, reuniu o cineasta gaúcho Cristiano Burlan e o professor alagoano Régis de Souza para um debate no início da tarde que teve como cenário o incrível centro histórico de Penedo.

Questionado por Sérgio Onofre, mediador da mesa e coordenador-geral do Circuito Penedo, sobre o legado de Paulo Freire, o professor e ator Régis de Souza afirmou que “foi para o povo oprimido que ele deixou sua maior contribuição”. “Sua herança está em acreditar na luta por libertação, na leitura do mundo antes da leitura das palavras, na busca de humanizar-se.” O professor, no entanto, criticou a presença parca do patrono da educação brasileira nas práticas de ensino do país. “É preciso permitir a entrada de Freire nas escolas pela porta da frente. Entendê-lo, visitá-lo e revisitá-lo é imprescindível”, declarou.

Burlan, que também é professor, dirigiu a série “Paulo Freire, um homem do mundo” e falou sobre a produção, lançada gratuitamente no ano passado pela SescTV. Segundo ele, entre pesquisa e produção, foram cinco anos dedicados ao projeto. “Acho que aquilo que mais me marcou no contato com Paulo Freire foi o estímulo à capacidade de escuta, até mesmo no cinema.” Para o cineasta, a influência de Freire apurou, no seu trabalho, o contato com o outro e o interesse pela história do outro, ajudando, em suas palavras, a “romper por completo as relações hierárquicas”.

“Ao mesmo tempo em que preocupa ter que lutar por ideias já tão debatidas, é bonito pensar que o pensamento freireano sempre vai ser necessário”, ponderou Burlan, que dá o testemunho de como as ideias de Freire transformam as pessoas e as relações. “Porém”, destaca o professor e cineasta, “Paulo Freire não é só uma ideia; é uma prática”. Segundo Burlan, uma prática “de política educacional” e “de relacionamento com o mundo e as pessoas”.

Confira o debate na íntegra aqui.

Circuito Penedo de Cinema recebe o cineasta Cristiano Burlan para exibição de ‘Ensaio sobre o fracasso’

Diretor ainda participou de um bate-papo sobre o filme, que abriu a Mostra de Longas-metragens Nacionais, mesclando diversas linguagens e referências artísticas

Na noite desta segunda-feira (22), foi iniciada a Mostra de Longas-metragens Nacionais realizada pelo 11º Circuito Penedo de Cinema. Às margens do Rio São Francisco, “Ensaio sobre o fracasso”, que exibe um passeio extravagante pelo cinema mundial, foi a obra que abriu caminho para os 82 filmes que serão exibidos, on-line e presencialmente, até o domingo (28). O prodigioso cineasta Cristiano Burlan, diretor do longa que traz, em primeiro plano, algumas das figuras mais marcantes da história da sétima arte, participou de um bate-papo na sala de cinema montada no centro histórico da cidade de Penedo.

Filme de Burlan ‘vasculha’ linguagens e referências no cinema / FOTO: Paula Fernandes

O público presente na Praça 12 de Abril pôde assistir a uma verdadeira profusão de referências e linguagens artísticas, escolha que Burlan explica: “a desordem e a irregularidade fazem parte da vida”. Seu “Ensaio sobre o fracasso” é atravessado pela vida (e a obra) de um cineasta, interpretado pelo ator André Gatti, que também é cineasta. No entanto, a metalinguagem mais violenta presente no filme talvez se dê com a aparição de outras obras. Cenas dirigidas no passado por Rogério Sganzerla, Jairo Pereira, Zé do Caixão, Jean-Luc Godard, Yasujiro Ozu e Martin Brest também costuram a narrativa poética intrincada do longa.

Em paralelo, diálogos sobre o fazer cinematográfico, nos quais realidade e ficção parecem indissociáveis, surgem na tela, empreendidos por um elenco que tem presença marcante no cinema brasileiro, especialmente o marginal (seja na pesquisa, na produção ou na crítica), como Helena Ignez, Mário Bortolotto, Jean-Claude Bernardet e o próprio Burlan, que declara sua afinidade por explorar o inusitado. “O cinema, antes de mais nada, é uma aventura de linguagem, mas que não se encerra em si”, afirma. “Pra mim”, explica Burlan, “o cinema é um instrumento de precisão para entender o mundo em que a gente vive.”

A outra “personalidade” do cineasta, como ele mesmo nomeia, é a de documentarista, que já pôde mostrar com detalhes em sua extensa filmografia de mais de 30 obras, sobre a qual sabiamente alerta: “Quantidade não é qualidade!”. Em suas palavras, sua face documentarista “parte sempre de uma perspectiva pessoal para falar do outro”. Burlan, porém, demonstra jamais se privar de visitar o inóspito, social e artisticamente falando, como se mantivesse um compromisso ético com as pessoas e o próprio ofício. Para ele, o cinema ainda se encontra preso a conceitos fixos de narração e organização da linguagem, quando não deveria ser entendido como um processo fechado. “O cinema que eu tento”, esclarece, “é uma possibilidade de reinvenção das coisas”.